terça-feira, dezembro 07, 2004

EDP (Eduardo Prado Coelho) sobre a noite misteriosa

Eduardo Prado Coelho diz quase tudo, neste artigo do Público. Só não concordo com a sua concordância na aprovação do orçamento de estado. Neste aspecto, acho que é éticamente (será que ainda se pode falar de ética em política) preferível "aguentar" 4 meses no regime de duodécimos do que condicionar um futuro governo às opções deste orçamento. Mesmo que depois se faça um orçamento rectificativo, há questões que ficam logo comprometidas. O fim dos benefícios fiscais, a baixa do IRS, o fim das SCUTS. Por outro lado, este orçamento poderá muito bem servir de bode espiatório para certas políticas que o futuro governo (qualquer que ele seja) se veja "obrigado" a seguir.

Mas aqui fica o artigo:

"Ficaremos sempre sem saber o que se passou na noite de segunda para terça-feira na mente do Presidente da República. Segundo a versão de Santana Lopes, na véspera Jorge Sampaio teria dito três vezes (e o número "três" tem algo de mágico) que jamais dissolveria a Assembleia da República. Admitamos que Santana Lopes ouviu mal - são coisas que acontecem. O que já não é possível aceitar é que a palavra de Jorge Sampaio tenha menos credibilidade do que a de Santana Lopes. Se alguma coisa define o actual Presidente da República, é a sua postura ética. Sobre a ética de Santana Lopes, Henrique Chaves, amigo de há longa data, disse o essencial: falta-lhe verdade e lealdade. Feito o balanço, qualquer pessoa de bom senso acreditará em Jorge Sampaio.

Mais extraordinário é que Santana Lopes tenha deixado no ar a hipótese de Sampaio querer satisfazer Mário Soares. A gente imagina a cena. Ao deitar-se, Jorge Sampaio teria dito: "Ó Maria José, para a semana faz anos o Mário Soares. Que é que lhe havemos de oferecer?" "Tem que ser algo de muito imaginativo. Não achas que a queda do Governo era uma boa prenda?" "Boa ideia, vou já tratar disso." Este seria o mistério da noite de segunda para terça-feira.

O que espanta é a rapidez com que Santana Lopes passa da atitude de Estado (respeitamos a decisão do Presidente tal como respeitámos em Julho uma decisão que então nos era favorável, é este o modo que tenho de fazer política e de estar na vida) para em dois dias entrar no ataque mais descabelado e demagógico, com ameaças pelo meio. É verdade que foi estimulado por esse grande mestre do delírio político que é Alberto João Jardim, para quem o Governo cai porque não quiseram um político madeirense como ministro da Juventude, mas nós vamos lá abaixo e pomos tudo na ordem. É verdade também que os presidentes das distritais vão no mesmo registo e vemos como Marco António, que foi secretário de Estado apenas por alguns dias, e António Preto, mostraram o caminho a seguir: o Presidente terá agido deliberadamente para prejudicar o PSD (não lhes ocorre que quem mais prejudicou o PSD até hoje foi Santana Lopes) e para beneficiar o PS. Em poucas horas os inimigos estão encontrados. É verdade que alguns em privado reconhecem que Santana Lopes não tem qualquer vocação para o cargo de primeiro-ministro. Não é um profissional da economia e da política, como Cavaco Silva. Não tem o sentido de Estado de Durão Barroso. Não estuda os "dossiers" como Paulo Portas.

É verdade que este processo de dissolução da Assembleia da República, estranhamente anunciado por Santana Lopes, tem algumas contradições. A mais óbvia tem a ver com a questão do Orçamento. Vicente Jorge Silva diz, no "DN", que as decisões têm um custo que deve ser assumido. Só que ele nunca trabalhou na administração pública e não sabe o que significa funcionar com duodécimos: significa não funcionar. Quem iria pagar este custo era o povo português. É preferível ter um orçamento susceptível de ser rectificado pelo novo Governo do que não ter orçamento nenhum. Nesse aspecto, Bagão Félix tem inteira razão.
"

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